A morte e a morte de Alzira

A morte e a morte de Alzira

Quando morria alguém no interior de Minas era diferente. Normalmente, todos na cidade conhecem quem se foi ou pelo menos um primo, mãe, pai ou periquito do falecido. É nessa triste ocasião que a família vê “quem faz conta” deles e do ente. Só que de uns anos para cá o povo tem ficado esparramado e menos ligado a essas questões. Foi aí que Alzira começou a ficar preocupada. “Quem iria ao velório dela?” “Será que o povo só puxava conversa com ela por que era mulher do delegado, autoridade máxima da cidade, ou realmente gostava dela?”.

A cabeça de Alzira foi tomada por muitas interrogações. Elas aumentavam a medida que ia em velórios vazios, sem tanto choro nem recordações do falecido. Ela fazia questão de ir em todos. Ficou tão, mas tão atordoada que resolveu tirar a prova de quem realmente a queria bem. Foi aí que pensou: “e se eu anunciasse minha própria morte?”. Tratou logo de providenciar o número do Honorato, senhor que falava no alto falante da praça, o nome, horário e local do velório e sepultamento para que tirasse a cisma. Ela também colocou algumas regras: só iria no velório de quem fosse “no dela”.

A marcha fúnebre começou a tocar. O coração de cada morador se afligia a cada compasso da música até que o locutor passou todos os dados. Depois do nome e sobrenome, completou: Alzira – mulher do delegado Joaquim. Foi aí que o próprio Joca deu um pulo da cadeira. Todo mundo da Polícia Civil ficou sem saber o que faria também. Em choque, Joaquim sentou na cadeira mais próxima e não dizia uma palavra. O telefone da delegacia disparou e ninguém sabia dar nenhuma informação sobre o que tinha tirado a vida de Alzira. Embora Joaquim não falasse, os colegas de trabalho tinham certeza de que a mulher estava bem no dia anterior.

Para piorar, o casal morava ali porque havia sido transferido, não tinham parentes na cidade, ninguém sabia dizer nada. O jeito era ir até o local anunciado e ver o que aconteceu. Quem afinal cuidava do velório? Um dos policiais, Bruno, assumiu a missão e foi até a casa do delegado e de Alzira. Quando lá chegou uma multidão estava ao portão. O povo não entendia o que estava acontecendo. O locutor disse que o velório seria ali e estava tudo trancado.

Bruno resolveu tirar tudo a limpo. Arrebentou o portão e a porta da frente, que dava para a sala. Ele esperava encontrar qualquer coisa, menos o que viu: Alzira vivíssima. Era tão impossível que ele saiu feito um foguete, pois achava que era um fantasma no sofá. Ao ver a situação de Bruno, o povo não aguentou, mais da metade desistiu do velório. Os poucos que ficaram um a um se espantavam com Alzira. A confusão continuou até que um incrédulo resolveu encarar o fantasma.

Sentou ao lado da mulher e falou: “Você não é fantasma, né?”. Ela ficou calada, mas ele sabia que encostar nela bastava para tirar a prova dos 9. Deu logo um beliscão e ela gritou tão alto que o marido na delegacia pensou que ouvia Alzira do além. Ao notar que ela havia feito a cidade de besta, o homem a beliscou mais ainda e fez ela desmentir para todo mundo a falsa morte. Cara de pau, Alzira ainda disse que pouca gente gostava dela, pois não havia quase ninguém ali. Nesse momento o povo ficou louco, falou que mais de 50 já tinham ido embora por causa da “cretinisse” dela.

O marido nem ficou bravo quando descobriu, ainda considerava ser melhor a mulher viva do que ter morrido tão de repente. E sabe o que aconteceu alguns anos depois quando Alzira morreu mesmo? Ninguém acreditou. Podia contar nos dedos as pessoas no velório ao mesmo tempo. Teve uma hora que o viúvo ficou sozinho, coitado!

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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