A diferença entre usar óculos na infância e perto dos 30

A diferença entre usar óculos na infância e perto dos 30

Óculos na minha infância era status, sinônimo de inteligência. Eu suspirava quando via alguém com um e imaginava se aquela armação cairia bem no meu rosto arredondado. Só que eu enxergava até uma agulha no palheiro, de perto, de longe… Para completar, são raros os que precisam de óculos na minha família antes dos quarenta. Mas o desejo era tão forte que resolvi mentir, pesquisei todos os sintomas de quem precisava de um e fingi quase todos. O único que faltou foi mudar do fundão para a primeira fileira da sala, pois eu já sentava na cadeira um.

Tive dor de cabeça e até “enjoo”. Pedi para ir embora. Disse que não via nada direito no quadro. Minha mãe e meu pai resolveram me levar ao médico. Pensei que parte do plano tinha dado certo. Só vi que eles tinham sacado que eu mentia quando dei de cara com o doutor Arthur, um ginecologista-obstetra que também atendia como clínico, pois meus pais acreditaram que o enjoo poderia indicar algo no estômago. Fiz todos os exames e no final ele disse que eu não tinha nada. Aí perguntei se ele não iria me encaminhar para um oftalmologista. Ele respondeu com uma pergunta:

— Você mentiu, não foi?

Fiz um silêncio com som de sim. Depois escutei ele dizer que era muito comum as crianças mentirem para usar óculos. Fiquei triste, mas passou. Com o tempo percebi que era privilegiada por causa da visão que tinha, apesar de ler muito. Também pensava que antes dos 40 ficaria longe dos olhos extra.

Só que no ano passado, com 27, tive dificuldades de enxergar legendas e apresentações de power point em palestras. Fui, finalmente, em uma oftalmologista. 0,5 grau de um lado e 0,25 do outro. Tão pouco que ela me deu a opção de ficar sem eles. Só agora, 9 meses depois, fiz os óculos. Não por resistência nem opção, pois estava realmente difícil ler e decifrar rostos a meio metro de distância, mas porque foi difícil achar um modelo que me agradasse. Parece que nenhum dos modelos que vi na minha infância eram bonitos mais, pelo menos para mim. Tudo parecia pesado e eu não me reconhecia. Porém, não era aquele um desejo não realizado da infância? Era, saiu do hall de sonhos há tempos.

 Aos quase 30, usar óculos é mais uma constatação de que eu não herdei a genética da forma que imaginava, de que a idade começa a pesar bem antes do que eu previa. É também um sinal de que para manter-me bem, terei que me cuidar melhor porque o tempo faz efeito para todos, no corpo e na mente embora a alma possa continuar jovem. Usar óculos na infância para mim seria um charme a mais, agora é sinal, aviso. Pode até ter um pouco de charme, mas é bem mais que isso. Não é ruim, é só uma realidade que antes eu só assistia e agora sinto.

Penso como seria se eu tivesse colocado os óculos aos 7. Será que não o sentiria tanto em cima do nariz? Será que a sombra que faz nas fotos não me incomodaria? Ou será que eu teria me arrependido de querer o acessório, pois já usava aparelho e teria mais um motivo para me zoarem na escola?

São perguntas que ficarão no se, mas o que importa é que agora vejo como se tivesse sete anos novamente. Com algo sobre o nariz, a sombra e o acessório a mais eu me acostumo, pois difícil mesmo era ver o mundo borrado.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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