A aliança

A aliança

Compraram uma aliança fina feito folha de papel. Trocaram juras, casaram-se como os pais queriam. Mas a mesma falta de dinheiro que fez que ele comprasse os anéis finos, levou-o para longe, para os Estados Unidos da América. Lá ele juntou alguns vinténs e fez que a esposa fosse morar com ele, já com a filha que ficou no Brasil com menos de dois meses de nascida. Fizeram um pé de meia. Um dia, ele foi trabalhar em um prédio que exigia, por medida de segurança, que ninguém usasse anéis, brincos, nada de nenhum metal. Ele tirou a aliança e no meio de tantas ferramentas, tralhas, perdeu-a.

Chegou em casa tão cansado que nem se lembrou que não tinha voltado o anel para o dedo. A esposa notou de imediato. Ficou possessa e sem graça de falar na mesma hora, coitado, tinha trabalhado o dia todo e iria para outro trabalhado antes do dia nascer. No outro dia, quando ele chegou da obra, de novo sem a aliança, ela não se aguentou e perguntou:

— Não usa aliança mais?

— Nossa, amor! Onde ela está?

— Você é quem deveria saber.

— Eu juro que nem notei que estava sem. Estou cansado e todos os dias na obra é preciso tirá-la por medida de segurança.

— Ai, sei não. Como vou confiar em você?

— Da mesma forma que confio em ti, pela pessoa que é e não pela aliança que mal dava para ver de tão fina.

— Ah, é? Então prova!

Em um lampejo ele pegou a mão da esposa, tirou a aliança e jogou janela afora. Nevava muito no dia e seria impossível encontrá-la.

— Você é louco? Por que jogou-a fora? Como vamos comprar outra?

— Não vamos comprar, até podemos agora, mas eu não preciso que você use o anel para mostrar-se fiel.

Ela não conformou-se muito, porém admitia que havia outras questões mais importantes para eles pensarem e a aliança podia ser mesmo substituída pelo amor dos dois. Com o tempo, ela se acostumou a ser uma mulher casada sem aliança e nem se lembrava mais da noite de inverno marcada pela discussão.

Chegou o dia de eles irem embora. Antes passaram na casa de um casal amigo para se despedirem. Quando ela olhou para a mão da amiga achou a aliança bem parecida com a dela.

— Gente, como sua aliança se parece com a que eu tinha. Fina, porque era a que nosso dinheiro comprava.

— Pois é, o Ronan achou um dia quando foi chamado para fazer a limpeza em um prédio. Também não tínhamos dinheiro, o que dava para o par de alianças teve que ser mandado para minha mãe no Brasil, ficou só a parte de uma.

— É mesmo? Onde ficava o prédio?

Ela contou e havia acabado de constatar que era a aliança do marido. Ficou calada, só contou a descoberta no voo de volta.

— Viu, não disse que não tinha te enganado? Eu perdi mesmo, na obra. Agora você confia em mim?

Ela fez cara de desconfiada, mas no fundo sabia que a aliança no dedo da amiga fazia ainda mais sentido do que se tivesse com eles.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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